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Sem rumo

Alguém já disse que você perdeu o rumo, que está estranho e sem norte? Pois foi o que ouvi de alguém próximo que me ouve e me conhece, membro da igreja que pastoreio, dizendo que perdi o rumo no decorrer deste ano, e olha que já estamos em outubro. A certeza do meu rumo, a tranquilidade que me envolve e a clareza do que quero me permitiram ouvir aquelas palavras “sem perder o rumo”. Realmente este ano tem sido diferente para mim. Depois de praticamente trinta anos pregando o evangelho com amor e disposição, me vi caindo num desânimo jamais experimentado antes. Mas em tudo isso posso afirmar: Não perdi o rumo.

Pedi um tempo para a igreja e recebi da parte da liderança uma licença de três meses. Nesse período, fiz um retiro de uma semana juntamente com minha esposa no sul do país. Foram dias inesquecíveis. Hoje, quase três meses depois, posso testemunhar de mudanças tremendas ocorridas em mim e que continuam acontecendo. Ontem mesmo eu falei para minha esposa: ‘por muitos anos fui o Pastor Antonio Francisco, mas hoje sou o Antonio Francisco, pastor’. Vivia o tempo todo voltado para o ofício, o que me desgastou indevidamente. Mas Deus está me ajudando a levar uma vida normal, no sentido mais pleno da palavra.

Fico me perguntando: 'O que levou aquela pessoa a concluir que estou sem rumo?' Será algum efeito do remédio que meu geriatra me receitou? Será porque deixei a barba crescer? Será porque estou pregando nos cultos de domingo a noite de camisa manga curta? Sinceramente não sei; o que sei é que estou mais livre que nunca, mais consciente, mais pé no chão, mais informal, mais natural, mais realista. Estou quase liberto do tal “perfeccionismo”. Lembro-me que há alguns anos um versículo bíblico foi fundamental para isso: “Não sejas demasiadamente justo, nem exageradamente sábio; por que te destruirias a ti mesmo?” (Ec 7.16).

Mas, olhando por outro prisma, realmente estou sem rumo. Aliás, viver sem rumo na vida cristã tem o seu lado bom: “Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia” (Hb 11.8). Se Abraão partiu sem saber para aonde ia, ele partiu sem rumo. Mas Deus o conduzia. Jesus disse: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (Jo 3.8). Aparentemente o vento é sem rumo, mas sabemos que Deus o dirige. Assim também é uma pessoa nascida de Deus. Ela é “sem rumo” muitas vezes à vista de muitos. A Bíblia diz que “o homem espiritual julga todas as coisas, mas ele mesmo não é julgado por ninguém”, porque ele tem a mente de Cristo (1Co 2.15-16).

Essa palavra insultuosa que recebi, acabou me conscientizando ainda mais da natureza da vida cristã. Não tem como harmonizar o espírito cristão com a lógica carnal. A mensagem da cruz é cheia de aparentes contradições que nem mesmo aqueles que estão dentro dos templos evangélicos conseguem entender. O que quero dizer é que precisamos declarar mais o Evangelho e explicá-lo menos. Foi por isso que Paulo escreveu: “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus” (1Co 1.18).

A pessoa que disse que estou sem rumo como pastor, apenas afirmou que estou no rumo do Evangelho de Jesus, pois sei que só tenho vida em Cristo porque morri em Cristo, que mesmo andando na terra, estou assentado com Cristo no céu, que mesmo sendo da terra, tenho minha pátria no céu, que para salvar a vida devo perdê-la, que para subir, devo descer, que sou mais forte quando sou mais fraco, que mesmo pobre posso enriquecer a muitos, sei que estou salvo mas continuo aguardando a salvação, temo a Deus mas não tenho medo dele, enfim, viver sem rumo assim, é seguir a Palavra de Deus por meio do profeta Isaías que disse: “Este é o caminho, andai por ele” (Is 30.21).

É, acho que vou assumir que perdi o rumo. É bem melhor viver assim, reconhecendo o Senhor em todos os meus caminhos, na certeza que ele endireita as minhas veredas (Pv 3.5-7). Com quase meio século de vida, pouco importa o que eu fiz e o que faço, mas quem eu sou. Veja ainda o poema de minha esposa e Bendita in-achação.

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